A organização pessoal ganhou destaque durante a pandemia da Covid-19; talvez porque boa parte de nós precisávamos dela como ferramenta de sobrevivência. Não demorou muito para que o caos instaurado na política, na economia, no trabalho e nas escolas, tomasse conta das nossas casas da porta para dentro.

Ficou difícil manter a rotina com as atividades seguindo a ordem que tínhamos pré-estabelecido antes de tudo mudar tão radicalmente, logo a organização pessoal virou uma ferramenta importante, tal como se tornou um produto requisitado. Milhares de conteúdos em fotos, vídeos e artigos em blog se espalharam pela internet com uma única intenção: ajudar você a se organizar melhor. 

Mas quanto mais ferramentas surgem, menos efeito parece que elas exercem diante de vidas que viraram de cabeça para baixo. Na rotina da Maria Tangerina e das pessoas que trabalham conosco, não foi diferente. Por isso, decidimos desfazer os mitos por trás da organização pessoal.

O que é Organização Pessoal?

A organização pessoal se refere a habilidade de mantermos nossas atividades em ordem, seja através da construção de uma rotina, de planejamento estratégico, pessoal ou profissional. A história da organização é antiga, começa lá nos primórdios da civilização para garantir a sobrevivência de uma pessoa ou grupo.

A organização pessoal pode aparecer em tarefas simples do dia a dia ou no trabalho, mas também pressupõe planos mais complexos e de longo prazo. A maioria das pessoas já se organiza no dia a dia com as tarefas domésticas, hora de acordar e fazer as refeições, estudos e até mesmo quando na hora de fazer uma viagem.

Um sistema de organização é importante para manter a qualidade de vida, mas também boas relações interpessoais e profissionais. A rotina de quem não se organiza costuma ser um pouco mais desafiadora, com atrasos para compromissos, perrengues no trabalho e até má alimentação, simplesmente porque as atividades se acumulam ou são ignoradas. 

Se organizar em situações comuns já é um desafio, imagina quando uma crise sanitária afeta o mundo e faz tudo mudar? 

Uma pesquisa realizada pelo LinkedIn em 2020 mostrou que 62% dos profissionais brasileiros ficaram mais estressados do que nunca. Além de lidarem com o medo, a ansiedade e o luto que assombravam suas vidas pessoais, os trabalhadores enfrentaram diversas mudanças na forma de trabalhar, métricas de produtividade e muita pressão.

Quem é organizado no Brasil?

Quando começamos a pensar na pauta da organização, nos questionamos sobre o que significa ser organizado no Brasil. Ter uma alta produtividade? Nunca se atrasar para um compromisso? Seguir à risca um planejamento de estudos? Sempre alcançar seus objetivos?

A organização é antes de tudo uma ferramenta. Ela está em tudo e em todos, sempre se apresentando em pequenas tarefas do dia a dia até as mais difíceis. Há uma sombra por trás da organização que culpabiliza as pessoas por não conseguirem seguir uma lista interminável de tarefas em meio ao caos político, econômica e social. 

É difícil se organizar quando o mundo está te colocando em prova, te jogando para baixo e te afastando cada vez mais do que é seu por direito. Muitas vezes, nos sentimos responsáveis por não nos sentirmos bem, mas é importante lembrar que vivemos uma sociedade e muitas das coisas que acontecem nela, interferem na forma como vivemos e nos sentimos.

Talvez as fórmulas de organização e mil ferramentas que prometem te tornar mais produtivo, não causem efeito. Talvez elas ignorem as particularidades do seu processo criativo e forma de pensar. Talvez até não estejam adaptadas para a sua realidade. 

É preciso pensar a organização para além dos planners e das caixas organizadoras de objetos. Para isso, entrevistamos a I'sis Almeida, jornalista e podcaster, por trás do podcast Se Organiza, Bonita!

A Í'sis compartilha conteúdo sobre organização pessoal de uma perspectiva racial, ela acredita que sua organização pessoal é seu ponto de partida e também, de equilíbrio. Como mulher negra, sua fala nesse campo prático do saber estará sempre entranhada pelas suas vivências.

— Quais são as ferramentas que precisamos para nos tornar mais organizados?

Í'sis Almeida: Eu geralmente indico algumas ferramentas por categoria. Ferramenta centralizadora seria aquela que você tem como objeto principal de organização, seja ela manual ou digital, no entanto, há de se lembrar que para iniciantes, caneta e papel é a melhor solução, devido o incentivo que a escrita manual causa para o processo de memorização. A ferramenta de agendamento, conforme o próprio nome já orienta, é a ferramenta para agendar, ao contrário da ferramenta centralizadora, de fato, essa acaba sendo melhor na versão digital, para a terceirização dos lembretes. Uma terceira ferramenta seria a de despejo, cujo uso é extremamente opcional. É aquela ferramenta para mentes criativas com tendência a liberdade de expressão. É uma ferramenta usada para despejar ideias, sejam elas por escrito ou em imagens no papel. Existem outras, é claro, quando se trata de organização de outras áreas como uma empresa a gente implementa as ferramentas de acordo com cada contexto.

— Quais são os mitos da organização pessoal que você mais luta para desmistificar?

Í'sis Almeida: Uma das principais é a ideia de que a rotina é a solução de todos nossos problemas. "Acorde às 06:45, faça uma meditação, exercícios, coma bem..." É óbvio que a rotina ajuda a nos mantermos minimamente organizados, mas mundo pós-pandêmico que estamos vivendo, num país com regime que flerta com o autoritarismo e economia em crise, é preciso lembrar que comer bem, se exercitar e conseguir dormir bem é praticamente um privilégio. Tais discursos/mitos são extremamente meritocráticos e excludentes, uma vez que evidenciam inúmeros bens de consumo quando o foco deveria ser a mudança de mentalidade. Outro mito é, na verdade, um estereótipo racista. O de que pessoas negras são naturalmente desorganizadas e desprovidas de recursos para se organizar. Eu pesquiso sobre raça para que possa romper com essas barreiras ajudando pessoas como eu entenderem que a organização pessoal é sobre autonomia, poder e acolhimento. 

— Manter uma rotina organizada pode ser um desafio, principalmente quando precisa ser constante. Por onde começar e conseguir manter uma rotina organizada?

Í'sis Almeida: A rotina se resume basicamente às atividades que realizamos repetidamente gerando antecipação. Se relaciona tanto com o ambiente que habitamos geograficamente, nosso lar, nosso ambiente de trabalho, etc., quanto com como lidamos com a administração e manutenção de hábitos. Para criar uma rotina organizada, é preciso antes entender como funciona nossa mente com relação ao sono e horários, ou seja, mapear nossos horários de pico de produtividade e espaços em que nossa mente e corpo pedem descanso. O importante é sempre tornar cíclica a ideia de motivação/disciplina, bem como se recompensar - com limites - pela sua própria produção. Eu não tenho fórmula pronta e aplicável para qualquer realidade pq sobretudo, acredito que uma indicação mais assertiva pode ser dada avaliando o contexto de cada pessoa. No geral, mapear é a saída ideal para quem tá começando, marcar horários, também. 

— É só falar em organização pessoal, que algumas pessoas começam a recuar. Durante o caos gerado pela pandemia e milhares de adaptações da vida e do trabalho, ela se tornou a vilã de muitos lares. Muitas pessoas se acham desorganizadas, mas o mundo lá fora não tem ajudado muito.

Para essas pessoas, qual conselho você daria?

Í'sis Almeida:  A gente passou dois anos olhando muito para dentro. Ninguém aprendeu nada, essa é a verdade. Eu dialogo muito com Ailton Krenak quando ele diz que a produção do sofrimento não gera aprendizagem e acho que esse papo é muito cristão e pouco produtivo. Existe a concepção equivocada de que pessoas organizadas são controladoras ou que são "donas de papelaria", quando na verdade, pessoas organizadas são apenas àquelas que buscam através da organização, bem-estar, equilíbrio e constância. Eu diria a essas pessoas que paciência, afinal, ninguém é Usain Bolt, muito menos está concorrendo uma corrida de F1. A organização não vai gerar ansiedade, ela vai amenizar isso e claro, caso você tenha dificuldade em se organizar, busque ajuda profissional, tanto de uma pessoa que estuda a área quanto de um profissional de saúde, se necessário.